Família do Eugénio

No dia 25 de Janeiro de 2011, pelas 16 horas e 30 minutos, dirigimo-nos em grupo, até à morada da família do Eugénio para realizar a entrevista por nós planificada. Quando chegámos vimos, uma vez mais, o Eugénio a ouvir as suas músicas, mas desta vez a entrevista era direccionada à sua mãe. Durante meia hora, a D. Maria respondeu-nos a todas as perguntas que colocámos, abordando, em geral, todas as fases da vida do seu filho até à data, salientando os principais momentos de cada uma. Com esta actividade, pudemos concluir que a mãe do Eugénio sempre deu a máxima atenção, carinho e apoio ao seu filho. Desde que o Eugénio nasceu, que esta mãe enfrentou todas as adversidades, pensando sempre no bem-estar do seu filho, assumindo-se assim como um exemplo para todas as mães e outros familiares de indivíduos com trissomia 21 ou outra qualquer patologia.


 Deste modo, publicamos aqui a referida entrevista.
1.        Com que idade teve o seu filho Eugénio? Onde viviam quando ele nasceu?
Tive o Eugénio com 16 anos. Na altura vivíamos em Peniche.

2.        Como e quando descobriu que o Eugénio tinha trissomia 21?
Eu descobri que o Eugénio tinha Trissomia 21, já depois de ele nascer, quando ele tinha já três meses. Quando ele nasceu, a parteira que me ajudou no parto não mo disse. Foi a minha mãe que se apercebeu de que o neto não era uma criança normal: não chorava, não pedia comida. Assim, quando tinha três meses teve uma convulsão e foi para o hospital de Peniche. Imediatamente, enviaram-no para Lisboa, onde ficou internado e a partir desse momento nunca soube o que era ter uma casa pois ele passava quinze dias internado no hospital e dois em casa.
Assim, decidimos ir viver para Lisboa, para Benfica, para casa da minha irmã. Quando chegámos o médico informou-me de que eu tinha um filho mongolóide, na altura ainda era designado assim. Contudo, eu não sabia pois, para mim, ele era uma criança normal. O pai abandonou o trabalho de empregado de mesa em Peniche e fomos então dois anos para Lisboa. Passados estes dois anos, descobriu-se que o Eugénio tinha um sopro. Seguiu, posteriormente, para o hospital de Santa Maria e, depois, para o de Santa Marta pois os médicos queriam operá-lo. Contudo, eu nunca permiti que tal acontecesse.
Custou-me muito, principalmente porque quando ouvia os jovens a conversarem e estes diziam de vez em quando uns aos outros “és mesmo mongolóide”, eu sabia que tinha um em casa e eu com 16 anos ainda era uma criança. Chorei muito… Mas, com a decisão de ir viver com a Lisboa, para estar mais perto dos hospitais e com todo o apoio da minha mãe, dei todo o amor ao meu filho. O pai arranjou emprego no seu ramo, em Lisboa, e assim foi a minha vida nessa altura, entre os hospitais e a minha casa.

3.        Qual a sua primeira reacção quando a informaram?
Foi um grande choque. Contudo, para o pai foi muito mais difícil de aceitar. Ainda hoje é difícil, pois eu tenho um sobrinho que nasceu no mesmo mês do Eugénio, em Fevereiro, e ao ver a criança a nascer, normal, saudável, ao comparar o desenvolvimento de um e de outro era muito diferente: o meu filho não falava; não chorava; até aos cinco anos de idade não assistimos a nenhum desenvolvimento; e tínhamos que ter sempre um carrinho de bebé para o transportar, uma vez que ele não conseguia andar.

4.        Quais as suas maiores preocupações nesse momento?
Tinha medo que ele fosse paraplégico, inválido. Contudo, estava preparada para o receber fosse como fosse. Ele é meu filho.

5.        Antes de o descobrir, já conhecia esta patologia?
Não, ainda não conhecia. Estas crianças, nessa altura, eram muito escondidas, não andavam assim no meio da rua, juntamente com a restante sociedade.


6.       Acha que teve os apoios necessários nos primeiros tempos de vida do Eugénio? Quais foram: família, amigos, médicos, instituições?
Quando o Eugénio nasceu, amigos e vizinhos achavam-no muito querido. Era o bebé lindo do prédio. De Peniche ainda hoje me ligam a perguntar como é que ele está. Todos da CERCI em Peniche gostam muito dele e já nessa altura me apoiaram muito, dando-lhe muito carinho e atenção. Em relação aos médicos, tive em Santa Maria uma boa ajuda. Em Santa Marta não, por causa da falta de condições do hospital para receber pessoas com esta doença. Contudo, o médico do hospital de Santa Maria, ao perceber que era de Peniche, disse para eu voltar para lá, pois era o local certo para o Eugénio: uma terra com ar puro, com o mar. Então decidi voltar para Peniche e desde daí que o Eugénio nunca mais teve qualquer convulsão.

7.        Quais os cuidados que passou a ter?
Não tive nenhum cuidado especial. Tratava o Eugénio como tratei os meus outros dois filhos. Dei-lhe muito amor e atenção, pois foi isso que ele mais precisou.

8.        Quais os maiores desafios que teve de enfrentar enquanto o Eugénio era ainda bebé?
Ao ter que mudar de casa e de cidade, a minha vida mudou muito. Ao ouvir os jovens, naquela altura, a chamarem mongolóides uns aos outros custava-me imenso. Foram obstáculos que ultrapassei graças à ajuda da minha família e de Deus. 

9.        A primeira escola que o Eugénio frequentou soube acolhê-lo devidamente? Tinha as condições necessárias? Era uma escola regular ou especial?
A primeira escola foi a CERCI em Peniche, uma escola especial, pois não o aceitaram na escola primária. Tinha boas condições para o receber, pois estava preparada para estas situações. Quando me aconselharam a coloca-lo lá, informaram-me de imediato que seria o melhor para ele e para o seu futuro.

10.    Como foi o relacionamento do seu filho com colegas, professores, funcionários?
O relacionamento era muito bom com todos os funcionários e professores. O Eugénio não causava problemas. Era querido por todos, tal como ainda hoje é.

11.    Na opinião dos professores dessa escola, como era considerado o desempenho do Eugénio? O quão diferente era dos seus colegas de turma?
As professoras diziam muito bem dele. Como elas diziam, ele era o menino delas. Em relação ao desempenho, era muito bom. Ele fazia trabalhos maravilhosos, quer de cerâmica como de pintura.

12.    Agora falando dos seus outros filhos, como foi o seu relacionamento com o Eugénio?
O relacionamento foi e ainda é perfeitamente normal. Dão-se muito bem. Tanto o Emanuel como a Rute (irmãos do Eugénio), aceitaram o facto de ter um irmão diferente. Contudo, tratam-no da mesma forma como se tratam entre eles, como se fosse uma pessoa completamente normal.

13.    O que é que tem aprendido com o seu filho? Qual a maior lição de vida que tira das experiências que vive com ele?
Todos os dias ele me surpreende. Ele diz coisas que não espero ouvir dele, pois, teoricamente, ele não percebe o que está a dizer. Todos os dias me consegue deixar sem palavras, tem uma vivacidade incrível. É muito querido e muito simpático.

14.    Quais os seus receios quanto ao futuro do seu filho, se é que os tem?
Tenho muito medo, pois não sei quem vai morrer primeiro: se vou eu ou ele. Por outro lado, estou descansada, pois hoje tenho a noção que há escolas preparadas para o receber e também sei que os dois irmãos nunca o vão abandonar.
Antes tinha muito medo quando pensava no futuro: com quem o Eugénio iria ficar e em que condições. Os meus filhos dizem-me muitas vezes que eram incapazes de abandonar o irmão, que tratarão dele até poderem.

15.    O seu filho já foi vítima de algum tipo de preconceito? Em que circunstâncias?
Não. Antes quando as pessoas tinham pena dele e lho diziam, ele não gostava nada, detestava ser visto como um inválido, como alguém diferente e por vezes até respondia mal, ficava mau.

16.    Na sua opinião, os portadores de trissomia 21 podem ter uma vida perfeitamente normal?
Penso que sim. Com todas as escolas que temos, para lhes ensinar o que é preciso para se tornarem homens. Penso que eles conseguem, com a devida ajuda, viver uma vida normal. Com força de vontade dos pais, dos familiares e deles, eles próprios podem perfeitamente ter uma vida normal.

17.    Que conselho daria a outros pais que tenham um filho com trissomia 21 e que não saibam como lidar com ele?
Penso que as acções que praticamos vêm de dentro de nós. Ele foi criado com muito amor e carinho, tanto da minha parte como da parte dos meus pais.
Os pais têm que dar mais apoio, mais carinho, mais atenção pois é tudo o que eles precisam: o apoio daqueles que eles mais gostam. Os pais não devem esconder os seus filhos, não devem fechá-los em casa. Devem tentar que ele tenha uma vida perfeitamente normal, pois eles necessitam disso. Precisam de ar puro, de vida, de luz.
Para mim, o Eugénio é igual aos meus outros filhos, e isso é o fundamental, é o ponto de partida para lidar com estes jovens. 


Por fim, publicamos ainda um pequeno excerto da entrevista, em vídeo, onde é comprovada a dedicação desta mãe ao seu filho.